BAIRRO OLHOS D'ÁGUA É O POINT DOS CERVEJEIROS DE BELO HORIZONTE

Ronaldo Dolabella e Pedro Nicoli/Encontro
As fachadas do recém-inaugurado do Ateliê Wäls e do Templo Cervejeiro Backer: dois estabelecimentos colocam a região definitivamente na mira de belo-horizontinos e turistas (foto: Ronaldo Dolabella e Pedro Nicoli/Encontro)

Bairro Olhos D'Água é o point dos cervejeiros em Belo Horizonte

                27/07/2017 15:05

Com inauguração do Ateliê Wäls, a região, que já tem o Templo Backer, transformou-se em ponto de encontro dos fãs da bebida feita de água, lúpulo, malte e levedura

Um ajuntamento de ruas ermas cercadas por galpões ocupados por grandes empresas, escassez de passantes nas ruas e precariedades mil. Assim era o bairro Olhos D’Água 15 anos atrás, quando a empresária Paula Lebbos visitou a então inóspita região para ver se era viável a instalação de sua cervejaria naquele local. O cenário não era dos mais positivos - a internet era discada, o sistema de esgoto era ineficaz e o fornecimento de energia elétrica não atendia necessidades industriais -, mesmo assim Paula seguiu sua intuição. "Visitei inúmeros outros lugares, mas meu coração não se enchia de energia. Acredito nisso." Como a embrionária cervejaria tinha em seu farol o melhor escoamento de sua produção, a empresária esqueceu as dificuldades e preferiu acreditar que ficar próximo do entroncamento de importantes corredores viários seria um facilitador. Ela nunca imaginou, porém, que seu tino empresarial tivesse também um quê de visionário. Passada uma década e meia, a Backer não somente se consolidou no mercado atual como uma cervejaria artesanal de referência, como também deu início ao polo cervejeiro em que se transformou o bairro Olhos D’Água. Somente na Backer são fabricados cerca de 200 mil litros mensais de cerveja, que preenchem os 40 tanques situados no espaço batizado de Pátio Cervejeiro. Além da fábrica, restaurante, loja e área externa com playground atraem cerca de 5 mil pessoas todos os meses. "Não tínhamos expectativa de chegar aonde chegamos. Queríamos ser um bar, mas não imaginávamos virar essa referência", revela a empresária.

O caminho trilhado pela Backer serviu de alicerce para que não somente a qualidade da infraestrutura melhorasse no bairro, como também incentivou que outras iniciativas se firmassem por ali. Um heliporto serve de ponto estratégico para o turismo. Um badalado espaço de festas atrai jovens baladeiros nas noites de sexta e sábado. A pasmaceira nas ruas foi para o espaço. E a sina cervejeira foi encorpada com a chegada do mais novo vizinho. No amplo imóvel onde funcionou durante anos a antiga fábrica da marca de roupas Vide Bula, nasceu o monumental complexo cervejeiro batizado de Ateliê Wäls. Juntas, as fábricas da Wäls e Backer concentram boa parte das atenções do fã da bebida feita a partir da mistura de água, lúpulo, malte e levedura.

Ronaldo Dolabella/Encontro
Alguns dos tonéis e barris que armazenam a bebida: espaço de 1.900 m2 foi projetado pelo renomado arquiteto Gustavo Penna (foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
Enquanto o cliente curioso pensa na possível rixa entre as concorrentes, o discurso oficial vai por outros caminhos. "Belo Horizonte só tem a ganhar com essas duas fábricas de cerveja no bairro", avalia a gerente de marketing da Backer, Tatiana Paro. Ainda mais empolgados encontram-se os irmãos José Felipe e Tiago Carneiro, nomes à frente da Wäls. "Queremos colocar o Ateliê Wäls no mapa turístico de Minas Gerais e do Brasil", vislumbra José Felipe. "O visitante que for a Inhotim precisa descer de helicóptero aqui do lado e vir tomar a nossa cerveja", completa. Melhor não duvidar de suas previsões. Quando começaram a circular boatos de que a Wäls, uma microcervejaria mineira, seria comprada pela poderosa Ambev, pouca gente acreditou. Em 2015 a negociação foi feita em valores não revelados e a Wäls tornou-se a menina dos olhos da empresa que integra o maior grupo de bebidas do planeta. "Foi por meio da Ambev que tivemos acesso a tecnologia e profissionais de ponta do mercado cervejeiro, além de ingredientes exclusivos, conhecimento técnico para novos produtos e capacidade de investimento", diz Tiago Carneiro.

Aberto em junho, o Ateliê Wäls tem atraído clientes da capital, do interior e de outros estados, igualzinho ao que acontece na vizinha Backer. Nos fins de semana, a paciência é ingrediente extra, pois as instalações graúdas da novata já deixam o trânsito complicado e geram filas de espera. Mas aguardar um pouco vale a pena. Além de chopes e cervejas de extrema qualidade, conferir o capricho na arquitetura desses espaços, degustar os preparos que saem das cozinhas, comprar os itens vendidos em suas lojas e flanar em meio a seus tanques cervejeiros resultam em um passeio singular. O boca a boca que tem se disseminado nas mídias sociais foi o que motivou a advogada Layla Magalhães a atender ao chamado de sua colega de profissão Milene de Souza. Residente em Brasília, Layla ocupava um dos 400 lugares do amplo salão e fitava com admiração os detalhes do espaço de 1.900 m2 projetado pelo arquiteto Gustavo Penna - o mesmo que assinou os projetos do novo Mineirão, do Museu de Congonhas e do Centro de Convenções de Inhotim. Enquanto isso, sua amiga bebericava a gateau imperial, uma cerveja escura do estilo stout para quem gosta de fortes impactos. Ao lado, marmanjos provavam cervejas de estilos mais simples. E Layla era só encantamento. "A entrada é sensacional. Aqui é muito mais do que somente uma cervejaria. Na capital federal não há nenhum lugar como esse", comparou a brasiliense.

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A advogada Milene de Souza (à dir.) convidou sua colega, a brasiliense Layla Magalhães, para conhecer a Wäls: "Na capital federal não há nenhum lugar como esse" (foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
No espaço que reúne uma invejável loja, bar com 21 torneiras de chope sobre um balcão com mais de 60 metros, uma cortina feita com mais de 135 mil rolhas, área externa com food truck, uma adega com capacidade para guardar 20 mil garrafas de cerveja champenoise e 450 barricas de madeira - uma dezena veio de navio da França -, as refrescantes cervejas convivem com coadjuvantes. "Nosso conceito de ateliê envolve também arte, arquitetura e entretenimento. É um modelo de negócio versátil e multiúso. O principal atrativo é a cerveja, mas há agregados", informa José Felipe.

As centenas de barris de madeira que ocupam parte do salão, e ficam sob os cuidados do mestre-cervejeiro Roberto Leão, não são somente decoração. Elas já guardam mais de 100 mil litros de cerveja, que ficam em processo de fermentação e envelhecimento de seis meses a um ano. Trata-se do maior salão de barris da América Latina, ou barrel room, como eles preferem chamar. Como essas barricas são feitas de 12 tipos de madeira, como bálsamo, umburana, carvalho francês e americano, cada bebida conservada ali terá sabor, textura e aroma diferentes. Outras já armazenaram vinho, conhaque, uísque, cachaça e bourbon, o que lhes dá características particulares. As opções de petiscos para harmonizar com tanta fartura cervejeira não decepcionam. Para formular o cardápio, foi chamado o chef Raoni Ribeiro, que veio da disputada Mercearia 130. De suas mãos saem preparos que combinam com a opulência da cervejaria, como um torresmo gigante, muito saboroso e bastante gorduroso, que fica três horas em fogo baixo.

Enquanto na Wäls a presença maior notada foi de homens curiosos pela novidade cervejeira (a visita ao local foi feita numa sexta-feira), na Backer a frequência era de casais enamorados e turmas de amigos. Depois de visitar o local pela primeira vez, a advogada Glauciene Silva não hesitou em retornar e comemorar ali seu aniversário. "Eu gosto de cerveja, mas o que mais amei foi o espaço, que é lindo", disse. Em sua mesa, os noivos Núbia Souza e Felício Júnior comentavam do clima romântico, fruto da decoração e da iluminação um pouco reduzida. "É um ótimo lugar para rolar um pedido de casamento", brincava Núbia ao lado do noivo.

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As amigas Núbia Souza e Glauciene Silva: "Eu gosto de cerveja, mas o que mais amei foi o espaço, que é lindo", diz Glauciene, que comemorou na Backer seu aniversário (foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
Dedicado a formular o novo cardápio que estreia em agosto, Felipe Galastro, premiado como chef revelação por Encontro Gastrô - O Melhor da Cidade 2016, empolga-se ao comentar da parrilla instalada no jardim aos fins de semana, a novidade por ali. Enquanto prepara uma costela de cordeiro defumada em lenha de macieira, ele comenta com entusiasmo das lagostas fresquinhas que acabaram de chegar da Bahia. "Vou conversando com os clientes e ajudo a sugerir a cerveja ideal para cada tipo de prato." Filas de pequenos barris metálicos de chope se formam para atender os pedidos de delivery, eventos e pontos de venda que não param de chegar. Cargas vindas de navio também são aguardadas pela Backer, que comprou 100 barris para envelhecimento de bourbon que estão a caminho para a empresa dar mais um passo abusado: em 2018 a Backer vai iniciar a fabricação de gin e uísque, e para isso um galpão já está em construção também no mesmo espaço. "As microcervejarias explodiram no Brasil, mas ainda temos muito a crescer", calcula Paula Lebbos.

As montanhas que emolduram o bairro Olhos D’Água parecem mesmo ter um pouco de magia. Além de conferir um pôr do sol privilegiado, inspiram o aconchego tão caro ao povo mineiro. "Queríamos isso para representar Minas Gerais", comenta José Felipe. O cenário parece ainda resultar em serenidade, característica comum aos cervejeiros que têm feito a fama da região. "Cerveja se faz com panela e muita paciência", resume Paula Lebbos. Espera-se, assim, que litros e litros de cervejas e chopes continuem sendo fabricados no bairro. Os clientes vão consumi-las pacientemente.


Fonte:http://www.revistaencontro.com.br/canal/gastro/2017/07/bairro-olhos-d-agua-e-o-point-dos-cervejeiros-em-belo-horizonte.html

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